domingo, outubro 15, 2006

Engraçado... coluna do Paulo Sant'Ana

Este Paulo Sant'Ana tenho que reconhecer que tem uma imaginação pra lááááá de fértil... Gostei tanto desta coluna que resolvi postar... Bom proveito... Abaixo deste meu post tem o que eu explico o porquê de minha preguiça em escrever!
Leiam! Vale a pena:


Paulo Sant'ana
15/10/2006
Tudo menos os chinelos
O réu sentou-se diante do juiz e viu iniciado o seu interrogatório, tendo-lhe sido dada a palavra pelo magistrado para que narrasse os fatos que culminaram no assassinato de sua mulher e um amante dela. Pausadamente, o réu começou a explicar os motivos que o levaram a matar a tiros o amante de sua mulher e ela própria, dentro de sua casa: "Sou viajante comercial e fui a Manaus, de onde voltaria no domingo. Mas me desincumbi antes e retornei no sábado. Ao chegar de surpresa à minha casa, deparei com minha mulher a receber um estranho, que de cara percebi que era seu namorado, pois estava de pijama. Confesso-lhe, Excelência, que me doeu, mas não tanto. É que meu casamento se encaminhava para um crepúsculo, vivíamos eu e minha mulher uma espécie de fadiga dos metais, um fastio corporal e de idéias já dominava tristemente nossa relação. Ali estava minha mulher em companhia de seu amante de pijama, embevecida, enquanto ele servia um espeto cuja costela ele assara para ela na churrasqueira. O pijama era dele, Excelência, trouxera de sua casa, mas os chinelos que calçava eram os meus".
***
Prosseguia o interrogatório do réu: "Senhor juiz, fui acometido de uma fúria santa quando vi aquele homem usando a minha churrasqueira e calçando os meus chinelos. Tudo bem que era para servir churrasco para minha mulher, mas não me passou pela goela que usasse a minha churrasqueira e os meus chinelos. Puxei o meu revólver e matei o homem com três tiros. Para mim não tinha importância que aquele estranho tivesse invadido o meu lar e privasse até com minha mulher, isto era o de menos. O sacrilégio que ele cometeu no entanto foi cascavilhar na estante do meu quarto e apanhar os meus chinelos, ainda por cima manejar espetos na minha churrasqueira, isto foi insuportável para a minha dignidade, Excelência. Creio que se fosse com o senhor, aquele intruso também seria assassinado. A churrasqueira e os chinelos são bens de inalienável uso. São coisas muito próprias de um homem, pertencem a seu exclusivo patrimônio físico mas principalmente moral, não podem ser usufruídos solertemente por um invasor nas nossas barbas. Enlouqueci e matei-o. E como pode o senhor perceber por minha narrativa, matei-o por justa razão. Os chinelos e a churrasqueira, Excelência. Que me tomem a mulher, que me subtraiam a honra, mas que não mexam com minha dignidade. Eu até me permito julgar que me tomar a mulher não é invadir a minha privacidade, mas apropriar-se, assenhorear-se de meus chinelos e de minha churrasqueira é um ultraje que só pode ser pago com o sangue do usurpador".
***
Prosseguia emocionado o réu na audiência, na qual não se ouvia o zumbido de uma mosca, todos, testemunhas, advogados, promotores, em reverencial atenção ao acusado: "Ali jazia junto à churrasqueira a vítima dos meus três tiros irados. Cheguei a concluir por perdoar minha mulher, relevando o seu deslize. Ela se mostrava naturalmente nervosa, mas por um instante relembrei os churrascos memoráveis que fizemos naquele mesmo lugar da nossa casa, desde os tempos em que éramos incendiados por abrasadora paixão até os anos em que lentamente foram sumindo dos nossos corpos e mentes o desejo e a lascívia que nos arremessaram para o gélido cumprimento do carnê. E já tinha até decidido não matá-la e talvez até não me separar dela, quando, senhor juiz, sobreveio uma cena inesperada. Ela deu de mãos nos espetos e começou a limpá-los. Quando estava no último, exclamou baixinho: 'Como ele assava bem!'. A injúria me soou claramente como a certeza de que aquele não havia sido o único churrasco entre os dois, que aquele local já tinha sido templo de outras cornices minhas. E descarreguei as três restantes balas do meu revólver na adúltera reincidente. Aqui estou eu para me submeter ao seu julgamento, senhor juiz. Se por acaso o senhor esteja tencionando me condenar, só peço que num último apelo considere o abalo que pode causar num homem a desapropriação desaforada e afrontosa de seus chinelos e de sua churrasqueira, mas principalmente o tsunami cerebral que pode causar a qualquer vivente ouvir da sua mulher a suprema humilhação: 'Como ele assava bem'". E dizem os pósteros da mulher e de seu amante, que ainda vivem na cidade gaúcha onde ocorreu há tempos este fato, que o marido viúvo foi absolvido.
psantana.colunistas@zerohora.com.br

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" Intrigar, provocar, emocionar e não deixar que a palavra seja somente palavra. A palavra é muito ambiciosa, acredita que é mais importante do que aquilo que nomeia. A palavra serve ao poder quando é no despoder que abrimos a guarda. Exerce hipnose de dicionário e enreda poetas na metalinguagem. A palavra é a vaidade de dizer, mas só existe porque o silêncio ainda não é paz. Sou desconfiado com a palavra. Um poema se faz pela falta de palavras. Quanto mais próximos chegamos do toque, do afago, mais estaremos dizendo. "

“Cada um que passa em nossa vida, passa sozinho, pois cada pessoa é única e nenhuma substitui a outra.
Cada um que passa em nossa vida, passa sozinho, mas não vai só, nem nos deixa sós; deixa um pouco de si mesmo.
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